Eduardo Rocha
Todo e qualquer pecado é pecado contra Deus, contra si mesmo e contra o irmão. Contra Deus porque é uma rejeição ao seu amor, última razão pela qual fomos criados e chamados a participar de sua felicidade; rejeição, portanto de seu apelo gratuito, de seu plano salvífico para conosco, de sua vontade, de seus mandamentos; recusa de sermos filhos do Pai, irmãos de Cristo e templos do Espírito Santo.
O Concílio quer inculcar na alma dos fiéis, juntamente com as conseqüências sociais do pecado, a natureza própria da penitência que detesta o pecado como ofensa feita a Deus (SC 109). O motivo primeiro do arrependimento dos pecados é a ofensa feita a Deus, isto é, a resistência ao seu amor, à recusa ou pouca estima de sua amizade, a ingratidão para com seus benefícios, o desprezo ou pouco caso da vontade divina, expressa na lei.
Evidentemente, o pecado não pode prejudicar a Deus. Sempre, porém, o ofende. O pecado ofende sempre a Deus, mesmo quando, diretamente, só atinge o próximo, porque Deus ama todos os seus filhos, quer e protege o bem deles. Por isso, o pecado só pode ser perdoado por Deus; e deve ser detestado, acima de tudo, como ofensa à sua bondade infinita. Precisamos, porém, recordar que todo pecado comporta também conseqüências sociais mais ou menos graves, mais ou menos evidentes, segundo sua natureza.
Na Igreja dos primeiros séculos, havia um senso muito vivo, do aspecto social do pecado: aos pecadores públicos eram impostas penitências públicas, e só depois de expiarem suas culpas, eram readmitidos na comunidade. Mudada com o tempo esta disciplina não se mudou o espírito. Também hoje, quem pecou gravemente é excluído da Comunhão eucarística até que se reconcilie com Deus e com a Igreja, pelo sacramento da confissão.
Aqueles que se aproximam do sacramento da Penitência ensina o Concílio, obtêm da misericórdia divina o perdão da ofensa feita a Deus e ao mesmo tempo são reconciliados com a Igreja que feriram pecando, e a qual colabora para sua conversão com caridade, bom exemplo e orações (LG 11).
Embora seja a confissão um ato secreto e estritamente privado, o fato de chegar o perdão de Deus ao penitente através do sacerdote exprime não só a presença da Igreja, mas também a reconciliação com ela. Por isso, o sacramento da penitência, enquanto tem valor íntimo, pessoal, para quem o recebe, tem também valor eclesial. Restabelece ou aumenta as relações de amizade com a Igreja; purifica o indivíduo, e ao mesmo tempo cura a ferida que seus pecados produziram na Igreja.
Embora sejamos muitos. Diz S. Paulo: somos um só corpo em Cristo e cada um de nós, membros uns dos outros (Rm 12, 5). Por causa da solidariedade que une todos os fiéis em Cristo aponto de formarem, nele, um só corpo, tanto o bem como o mal de cada um é bem ou mal de todos. O pecado ofende a Cristo, cabeça do Corpo místico, enquanto é ofensa a Deus e fere os membros do mesmo Corpo, enquanto prejudica espiritual ou materialmente os irmãos. Qualquer pecado, mesmo o mais oculto e pessoal, tem conseqüências prejudiciais à comunidade, porque diminui nela o nível da graça, da virtude, da santidade e aumenta aquele peso de misérias que impede o caminho para Deus. Assim como um só ato de caridade aumenta o amor em toda a Igreja, assim também um só ato de desamor o diminui.
Muitas vezes o pecado prejudica o próximo, de modo mais direto, como acontece com as faltas contra a justiça, a sinceridade, a caridade, o respeito pela pessoa e pelas coisas alheias. Assim exige justa reparação, e o sacramento da penitência a isto provê, seja porque o sacerdote, sendo, ao mesmo tempo, representante de Deus e da Igreja, perdoa os pecados em nome de Deus e da Igreja e, portanto, também em nome da comunidade, seja porque, impondo a penitência sacramental, indica ao penitente como reparar o prejuízo causado ao próximo.
Em todos os casos, deve o penitente aproximar-se desse sacramento com consciência eclesial, comunitária, ou seja, não unicamente em vista da conversão pessoal ou do progresso e salvação da própria alma, e sim também em vista do proveito dos irmãos. Há de desejar reparar o mal que fez aos irmãos com os próprios pecados; há de esforçar-se por levar à sociedade e à Igreja aquela contribuição de santidade a que é obrigado, por força do batismo.
A Igreja só resplandece no mundo e atrai os homens a Deus, na medida de sua própria santidade. E é ela mais ou menos santa conforme a santidade de seus filhos. Necessita de maior ou menor purificação conforme as culpas e deficiências deles. O que já existe de censurável na Igreja, cuidem muito os fiéis de não aumentar com os próprios pecados. Ao contrário. Para diminuir o mal na sua Mãe Igreja, não cesse de fazer penitência e de renovar-se (LG 8). Assim, quanto dele depende, será a Igreja, como a quer Cristo, sem mancha, nem ruga... Mas imaculada e santa (Ef 5,27).